quarta-feira, 13 de maio de 2020

Diário Filosófico #13/05/2020

Quando parei agora para escrever minhas reflexões de hoje, percebi que não aproveitei 100% a oportunidade que a vida me deu de refletir. E essa é a reflexão de hoje.

Normalmente quando caminho, escuto música e hoje meus fones não estavam funcionando. Entendi que era uma ótima oportunidade de caminhar ouvindo os barulhos naturais que a cidade emitia, sem outra interferência. Percebi como também prestei mais atenção no meu corpo e no que acontecia com ele enquanto caminhava. E como é difícil manter a mente pensando por si sem outra distração. A ansiedade na verdade, seria um sintoma de que não estamos bem com a própria mente, que anseia assim por algum fator externo para manter-se ocupada. É necessário que eu leve o estado meditativo que entro quando me concentro em outras atividades do cotidiano, assim, não perderei oportunidades de deixar minha mente fluir para que consiga captar o que a vida quer me dizer.

terça-feira, 12 de maio de 2020

Diário Filosófico #10/05/2020

Não importa o que eu acredite sobre a morte. A dor da despedida sempre é real. Como dar "Adeus" a um familiar que foi essencial para a continuidade da vida que chegou até mim?

Acredito que o que mais doa no fim é saber que não se pode mais fazer nada para honrar e demonstrar afeto por quem se foi. Porém, mesmo que houvesse uma eternidade para entregar essa honra, como poderia retribuir à altura o presente que me foi dado: a vida? Talvez, aqueles que nos deram a vida, nada mais esperam de nós. Pois no fundo, retribuir esse presente é impossível, se não, vivendo uma vida digna e feliz, trabalhando nos projetos da própria existência e pela existência do Todo. Deixar o nosso recado, entregar para o mundo o que o mundo precisa, transformando-nos e aprendendo nesse processo.

Aprender a ser um humano, evoluir, crescer, estudar e trabalhar pelo Todo. Quando chegamos perto do fim, são esses atos que tornam possível olharmos para trás e ter uma sensação de que essa vida valeu a pena. Que foi bem aproveitada, não ficou zerada. O desafio é tomar consciência disso de uma forma que se integralize na nossa rotina, limpando nossa mente e nossos corações de tudo aquilo que nos distraí da verdadeira experiência que temos durante o tempo que temos aqui. Quando penso na despedida, penso que nada poderia confortar mais do que saber que houve uma construção, houve um recado que foi passado. Esse recado não está na casa que construímos, nem no dinheiro, no sexo, no carro, nas roupas e nem na comida. Está no propósito do que foi feito. Meu desafio é dotar tudo que faço de intencionalidade para que possa construir esse propósito futuro pois nada posso e nem poderia fazer pelos que já deixaram suas marcas no passado.

Ainda tenho sonhos simbólicos, sonhava que assistia sempre a mesma peça de teatro, cada vez tentava olhar mais fundo no cenário para ver se encontrava algo. Estava sozinho no teatro (estilo palco italiano, com um longo corredor). Cansado de procurar, tentei invadir o palco, mas percebi que uma corrente me prendia na cintura. Sonho autoexplicativo. 

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Diário Filosófico #11/05/2020

Hoje entendi como o passado de um homem pode trazer força. Não que devamos ficar presos a esse passado, mas vê-lo na luz da consciência traz um vigor e uma posição de honra a vida, entendendo que existe uma longa linha que me trouxe até aqui. A vida não é caos, é cosmos. Como cada detalhe que me trouxe até aqui houvesse sido minimamente planejado. Não acho que deva buscar pistas no passado se ainda não decodifiquei a vida no presente, mas a questão é o senso de obrigação que esses detalhes trazem. Não uma obrigação como algo imposto e autoritário, mas uma obrigação de crescer e fazer algo da vida que valha a pena para além dela. Talvez, podemos encontrar alegria e liberdade fazendo aquilo que viemos para fazer.

Também preciso refletir sobre a raiva. Como, mesmo que achemos que dominamos nosso animal, a raiva fica na espreita, tentando te pegar distraído. Basta sair do foco em um momento que ela arruma uma forma de se manifestar. Não que ela vá morrer ou simplesmente sumir, é uma força da natureza que não pode ser parada. Mas como ser humano, não deveria eu decidir como ela vai sair? Se essa força quer se manifestar através de mim, não seria eu que deveria decidir a forma? Se sou pego desprevenido, é como se não tivesse nenhum controle e consequentemente, nenhuma liberdade. 

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Diário Filosófico #1 08/05/2020

Hoje decidi registrar algumas reflexões autorais sobre a vida e o que pode fazer ela valer a pena.

Primeiro ponto que me deixou muito inquieto, é o sonho que tive na última noite. Sonhei que havia uma sala onde muitas pessoas assistiam a uma televisão e não se moviam. Podia sair da sala para fora ou avançar por uma outra porta escura. Não sei o porquê, mas entrei na porta escura. Andei muito tempo e cheguei numa sala com uma iluminação muito fraca, estava com muito medo, achei uma bicicleta e uma fotografia. Vi a foto, peguei a bicicleta e pedalei com força para fora, saindo da antessala onde as pessoas estavam imóveis e indo para fora, seguindo o sol.

A primeira coisa que pensei foi em relação ao mito da caverna, senti que fui em um ponto mais fundo em mim mesmo mas não tive coragem de explorá-lo e encará-lo como deveria, me agarrei na primeira coisa que vi e voltei. Fiquei contente por não me sentir atraído pela distração dos outros mas sinto que ainda existem pontos em mim que precisarão de muita coragem para serem explorados. Aspectos da minha personalidade que me assustam e preciso estar mais forte para encarar.

O segundo aspecto que preciso registrar, é a questão da morte. Em função de uma situação que está sendo vivida. Pensei em quais as melhores coisas que poderia falar para outro ser humano em uma situação em que se aproxima da morte.

Não achei que chorar ou lamentar-me ajudaria. Tampouco achei honesto falar frases prontas de motivação. Cheguei a conclusão que o melhor a fazer era dizer o quanto aquela vida valeu a pena para mim. O quão válida foi aquela experiência, mesmo não tendo sido perfeita. O quão marcante foi na minha vida e na vida das outras pessoas, já que às vezes a pessoa não consegue enxergar isso por si mesma na própria experiência. E ao falar isso e buscar exemplos e referências disso ficou muito claro na minha cabeça do que faz a vida valer a pena.

Não é a casa, a comida ou o conforto. Isso tudo passou. Isso não é mais real. A bondade que a pessoa tinha em compartilhar, a cortesia e alegria com que recebia suas visitas, a compaixão que sentia pelos outros, o amor que dedicou na criação dos filhos e netos, o carinho que expressava e a fraternidade que praticou com outros seres humanos. Mesmo que as vezes desmedida ou errante, isso foi o que ficou. Isso é eterno. Isso é o que faz a experiência de vida valer a pena no final. Os momentos que foram tirados do tempo (não baseados naquilo que o tempo destrói) e entregues a eternidade, a ponto de que no fim, é isso que com certeza fez a vida valer a pena.

A morte não me assusta. Não tenho verdades absolutas, mas é uma viagem que cedo ou tarde eu também farei, alguém só foi antes de mim. A dor da despedida é real e foi a primeira vez que vivo algo intenso nesse âmbito da vida. Mas apesar da dor, a lição maior ficou: a vida tem que valer a pena e o  no seu fim, deve existir algo de eterno para sustentar o término do que é passageiro.

sábado, 25 de abril de 2020

Aprendendo com o simbolismo da vida

Essa semana em uma conversa muito produtiva, ouvi que aquilo que eu vejo nas histórias não é necessariamente verdade pois a visão pode ser outra. E isso está corretíssimo. 

A vida, assim como as histórias, é uma experiência muito didática, e sendo um reflexo de um mundo imperfeito, passa a ter um caráter simbólico. Somos seres de uma mesma mente, porém cada um carrega uma ideia única. Assim, nossos caminhos e jornadas também serão diferentes, mesmo que levem ao mesmo destino.

Achar uma verdade absoluta seria como achar uma religião verdadeira e não permitir que cada um manifeste sua espiritualidade como é. Uma pessoa dogmática precisa ajoelhar, fazer jejum e de regras bem definidas, enquanto uma pessoa extremamente ligada à natureza pode querer dançar ao redor de uma fogueira e abraçar uma árvore. Todos podem relatar uma experiência de contato consigo mesmo nesse processo em respeito a quem se é. Não excluo os céticos. Pois caso sintam realização nas suas atividades, podemos enxergar algo de “divino” nesse processo.

Nas histórias, aquilo que assimilo é justamente aquilo que mais preciso aprender, por isso essas reflexões devem conduzir a mudanças práticas. Se não consigo assimilar uma ideia, isso pode acontecer por vários motivos. Um deles, é que essa ideia é tão natural, que não faz sentido projetá-la fora, pedir para você falar sobre algo intrínseco e consolidado ao seu ser, seria como perguntar quantas vezes você respirou hoje. Você não enxerga essa lição porque já a aprendeu e internalizou. Logo, enxerga aquilo que precisa aprender.

Um segundo motivo seria se ainda não estivéssemos pronto para alguma lição, não conseguiremos fazer um bolo se não aprendermos antes como quebrar os ovos com cuidado. E uma terceira possibilidade (que eu sou capaz de listar entre as infinitas que existem no universo) é que essa lição não faça sentido para esse momento atual da sua manifestação de vida.

Mesmo minha verdade não sendo absoluta, acho um dever compartilhar. Falar sobre plenitude, propósito e caminho para uma realização deveria fazer parte do nosso cotidiano. E dotando nossas ações de consciência e intenção, podemos aprender com o simbolismo da vida. Termino com uma frase de Helena Blavatsky, estudiosa da filosofia tibetana, autora de “A Voz do Silêncio”: 

“A mais importante de todas as obras é o exemplo da própria vida.”

Fiquem em paz. =)

terça-feira, 14 de abril de 2020

O que aprendi com Dom Quixote


Após assistir ao filme “O Poço”, fiquei com uma curiosidade: conhecer o livro de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. E aí começou uma nova aventura para mim também. Primeiro, preciso pontuar umas questões técnicas para facilitar a vida de quem quiser descobrir a joranada desse herói. O livro é domínio público e acabei baixando uma versão com uma tradução bem clássica e isso dificultou a leitura pois meu português não acompanhou. Então, encontrei uma versão com uma tradução de 2001 e tudo fluiu melhor (os dois volumes possuem traduções modernas). Por  ainda não ter terminado a leitura, também usei um documentário do History Channel sobre a vida de Cervantes, assisti ao Dom Quixote de 2000 (porém não achei muito fidedigno ao que li até o momento) e à algumas cenas avulsas que encontrei de O Homem de La Mancha, de 1972. Esse sim, mais fidedigno ao conteúdo do livro. Também recomendo os canais de filosofia do Café Filosófico e da Nova Acrópole para ampliar a visão e a interpretação da realidade.

Sobre a vida de Cervantes. Ele nasceu em 1547, após um incidente num duelo (que já eram proibidos na época) fugiu para Roma, foi militar, machucou a mão esquerda numa guerra naval na Itália contra os turcos, voltou para a Espanha, foi sequestrado na volta, foi um tipo de cobrador de impostos, foi excomungado (dizem que tentou cobrar impostos de uma igreja), foi acusado de roubo e preso. Uma vida bem agitada para a época. Quando preso, começou a escrever o livro que seria um dos mais publicados nos próximos séculos, perdendo apenas para a Bíblia. Só aí já vejo o quão medíocre sou enquanto homem moderno, que numa época de mais recursos, preso em casa por uma quarentena e sem nenhum ferimento, preciso fazer um esforço e muitas pesquisas para conseguir escrever um texto, enquanto a genialidade e a experiência de Cervantes, que afloraram num momento de recolhimento, trouxeram uma grande obra literária para o mundo. Em suma, ainda tenho um longo caminho para ser percorrido, não como escritor ou pelo reconhecimento, mas pela capacidade de após um período de reclusão, onde olho para dentro e entro em contato comigo, manifestar no mundo algo positivo da minha maneira.

Mas vamos para história com os pontos que me chamaram a atenção. Alonso Quijano é um velho fidalgo que enlouquece ao ler muitos livros fantasiosos de cavalaria. Então, resgata a armadura antiga de seu bisavô e transforma-se em Dom Quixote de La Mancha e decide sair para uma jornada para mudar o mundo que não o agrada, que ele não quer e não pode compreender. Nesse caminho, encontra seu escudeiro Sancho Pança, prometendo-o que teria uma ilha.

Uma observação que cabe aqui, é que estamos diante de uma fórmula, talvez pela primeira vez, de uma dupla complementar. Se um é prático, o outro é culto. Se um é cuidadoso, o outro é desajeitado. Se um é racional, o outro é sonhador. Se um é inquieto, o outro é pensativo. E essa fórmula repetiu-se muitas vezes no cinema e na literatura: Sam e Frodo, o gordo e o magro, R2D2 e C3PO, Asterix e Obelix, Holmes e Watson, entre muitos outros. A capacidade de um ser humano perceber as diferenças de outro, e encontrar num respeito mútuo a construção de uma amizade em meio a discussões e reconciliações pode ser refletida nesses modelos. No modelo de Dom Quixote, temos um idealista, preocupado com as questões morais, e um lavrador, preocupado com as questões da vida prática.



Sobre Sancho Pança, interessante notar duas coisas. A primeira, é que no início ele tenta puxar Quixote para a realidade, não por um vínculo de interesse e sim pela amizade. Ele acaba se afeiçoando ao cavaleiro louco como ele é, e no deocorrer do livro, passa a agir para manter vivo o ideal de nobreza que Quixote tinha. Leio como se a vida prática e terrestre devesse servir como um apoio para que alcancemos nossos ideais não materiais. O segundo aspecto, é que em determinado momento, ele consegue a sua ilha. Nesse momento, Quixote dá a ele alguns conselhos para governar a ilha:
“Põe os olhos em quem és, procurando conhecer-te a ti mesmo, que é o conhecimento mais difícil que se pode imaginar. De conhecer-te resultará o não inchares como a rã, que quis se igualar ao boi.”
Sancho Pança torna-se um governador sábio e muito justo. Mesmo com seu jeito simples de pensar e agir, ele é muito bem sucedido nessa função, apesar de no começo ser desacreditado pela população. Isso já acontece no volume dois do livro. A simplicidade do lavrador, não o poder, é vista como o caminho para a justiça. Quando chegou a hora de partir, os habitantes pediram para que ele ficasse mais tempo na ilha. Mas ele partiu, pois no fundo, abdicou de um poder que nunca exerceu e por não exercer, foi mais justo que os poderosos.

Voltando ao Quixote, ele é descrito como “alto, seco de carnes e enxuto de rosto” além de ter uns 50 anos. Já começa que temos alguém que não era (e não é) o padrão do mundo dual de herói. Antes de sair pelo mundo para lutar, Quixote precisava de uma dama, alguém por quem lutar. Nos mitos, as princesas e as mulheres normalmente estão relacionadas à representação da alma humana. Nos contos clássicos, a princesa precisa ser resgatada do alto da torre, ou seja, nossa alma precisa ser resgatada pois ela nos eleva e para isso precisamos passar por várias provas e aventuras. O amor entre a dama e o cavaleiro medieval era muito mais cortês e não um amor carnal. Na obra, também temos o seguinte trecho:
“Tudo preparado para a partida, percebeu que faltava uma nobre dama para apaixonar-se. Um cavaleiro andante sem amores era como uma árvore sem frutos, um corpo sem alma.”
Curiosamente, dentro dessa representação, ele escolhe Dulcineia, uma moça descrita como feia e com mal cheiro pois era criadora de porcos. Os tempos de Dom Quixote eram difíceis, e é interessante como ele não vê sua alma longe ou precisando ser resgatada, mas ele enxerga sua alma na dureza da vida.

Na obra, o trágico e o cômico estão lado a lado. A obra foi aceita por seu caráter cômico, porém, considerando o momento da vida de Cervantes, existe um caráter autobiográfico e trágico de alguém que pode estar desiludido com a vida (aliás, os personagens no livro leem o próprio livro). Com o romantismo no século XIV, o louco foi considerado herói. Para alguns, ele ainda representa a ingenuidade, pois os objetivos de Quixote são nobres e incluem retomar a Era de Ouro, Dom Quixote também procura pelo Rei Arthur pois queria junta-se à Távola Redonda, entretanto, De La Mancha não era Camelot. O que torna Quixote “engraçado” é que é capaz de ser tão humano e generoso, que acredita no comprometimento das palavras, e chega ao extremo à inocência. Para mim, filosoficamente, temos nessa obra alguns aspectos universais da vida humana.

O primeiro é a incapacidade humana de aceitar o mundo como ele é, e assim rechaçar o mundo, estar insatisfeito e lutar contra ele. Nesse processo, entra uma vontade de resgatar o passado que é considerado ideal. Quixote queria restaurar a Era de Ouro, da verdadeira nobreza da cavalaria. Essa condição pode refletir o conceito platônico de que viemos de uma fonte perfeita, de um mundo ideal e para lá que queremos retornar. Nesse processo, acabamos numa guerra por não entender que o mundo é como ele é e não como queremos que seja. É como se não aproveitássemos a jornada para nos conhecermos e voltarmos para a fonte ainda mais ricos por nos prendermos nas riquezas desse mundo imperfeito. Por exemplo, caso lhe oferecessem um diploma de um curso superior ou passar numa prova sem nenhum estudo ou preparação, você aceitaria? Em princípio, parece não haver nenhum problema, mas isso demonstra que apesar do desejo inconsciente de voltar à fonte, ainda temos os desejos desse mundo aflorados. Amamos o resultado (o diploma) e não a jornada (o conhecimento em si).

Ainda sobre a insatisfação, posso refletir sobre querermos que o mundo mude, mas ao contrário de Quixote, não vivenciamos essa mudança. Quixote realmente vive seus ideais e não apenas os propaga, e por isso, é considerado louco. Para ele, mudar o mundo era questão de justiça e não de utopia.

Segundo ponto, é que por ser idealista, ele busca a nobreza, mas o mundo não tem isso para oferecer e acaba fazendo piada com ele, tachando Quixote de louco ou aproveitando-se dele. Exemplifico com uma parte do livro que achei bastante engraçada, com um humor bem atual. Quixote quer consagrar-se cavaleiro, mas como é louco, entra em uma estalagem muito simples, em princípio todos ficam incrédulos mas tratando-se de um fidalgo rico, acharam melhor fazer o que ele pedia, pois poderiam aproveitar a situação e fazê-lo pagar. Em um altar improvisado, auxiliado por um garoto que segurava um toco de vela aceso e por duas mulheres, o dono iniciou um palavrório ininteligível, puxando nomes de quem devia dinheiro, como se estivesse fazendo uma oração devota e termina com algo como “Deus o faça um cavaleiro bem-sucedido em todas essas questões aí” (tipo um “vai lá campeão”). Isso se relaciona a parte histórica, de uma Espanha decaindo, onde a nobreza de valores estava no passado.

Não poderia deixar de falar sobre uma das passagens mais famosas da história, que é a luta de Quixote com os moinhos de vento, os quais Quixote via como gigantes de quatro braços. Ao não conseguir matar os gigantes e perceber que eram moinhos, Quixote diz para Sancho Pança que os encantadores transformaram os gigantes em moinhos para acabar com a sua glória. Aí pegou pesado para mim. Pois a reflexão aqui é quem são os meus encantadores? O que faz o virtuoso parecer patético? E o que me encanta para tentar me encaixar em um mundo imperfeito e me desvia das virtudes? Obviamente, essas respostas são muito pessoais para serem registradas por escrito mas me fez ver quais ilusões desse mundo temporário me fazem perder o foco do que é real pelo critério da eternidade.

Achei curiosa uma visão de um pesquisador que deu um depoimento no documentário do History Channel. Ele diz que os moinhos representavam a industrialização da época, representavam o futuro mas Quixote queria restaurar os valores do passado, por isso via os moinhos como monstros gigantes. Achei interessante para fins didáticos.

Outro ponto interessante (SPOILER) é que Dom Quixote retoma a lucidez antes de morrer. Para mim, isso é muito significativo. É como se ele fizesse as pazes com esse mundo, e por isso, não morreu verdadeiramente. Pois, ao retomar a lucidez, ele se vê como Alonso Quijano, um velho fidalgo. E é esse sim que morre. Dom Quixote, assim como nosso idealismo, sempre continua vivo. A morte também pode não ser uma derrota, mas uma superação da dualidade através da lucidez sem matar os ideais.

Quase no fim desse texo, chama atenção também que uma comédia pode ser tão significativa. Normalmente, não levamos a comédia a sério, só achamos que as tragédias tem profundidade. Como se considerássemos que se algo não doer, não foi forte ou impactante o suficiente. Hoje em dia, as comédias estão muito ligadas a rir da ridicularização dos outros, mas existem as comédias que fazem as pessoas rir por gerarem identificações com aspectos da nossa própria personalidade. E também rimos de atos bons, verdadeiramente altruístas (não a troca ou a tentativa de comprar os valores de alguém ou promoção pessoal), por serem considerados ridículos.

Logicamente, essa história tem milhares de interpretações e também vi outros aspectos que não abordei aqui mas que usarei como exemplo em outros temas. Espero que a minha visão tenha contribuído de alguma forma. E para terminar, deixo o trecho do livro que para mim, reforça a ideia de superação da realidade.

“A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que os homens receberam dos céus. Com ela não podem igualar-se os tesouros que a terra encerra nem que o mar cobre; pela liberdade, assim como pela honra, se pode e deve aventurar a vida, e, pelo contrário, o cativeiro é o maior mal que pode vir aos homens.


Fiquem em paz =)

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Páscoa e a tradição do Renascimento




Nessa data fiz um resgate sobre a simbologia e a origem do feriado de Páscoa. Muitas civilizações possuíam festivais e celebrações similares nessas mesmas datas, e podemos ver que essa também é uma celebração que estaria integrando homem e natureza.

Segundo uma palestra da professora Lucia Helena Galvão, a astrologia nos mostra que a data da Páscoa ocorre no primeiro domingo após a lua cheia do equinócio de primavera, onde cruza-se a linha do equador, um simbolismo para a crucificação. Nossas tradições herdadas pelo eurocentrismo, fazem que comemoramos a Páscoa no outono, mas invertendo os polos, temos a tradição nascendo na primavera. Ainda na astrologia, temos a saída de peixes (um signo mais ligado ao mundo espiritual) e a entrada de touro (um signo mais ligado à terra), nessa transição, temos áries, um signo representado por uma cabra. Podemos ler simbolicamente, como, após a crucificação, teremos a vinda do cordeiro do mundo espiritual para agir na terra. Lembrando que os estudos astrológicos (principalmente os egípcios) já aconteciam muito antes de Cristo.

Preciso fazer uma ressalva: enquanto pesquisava, descobri que a astrologia influenciou muito mais as nossas tradições modernas do que eu pensava. Reduzir as tradições e os estudos sobre as forças que agem sobre a Terra, para questões como “qual signo é bom para casa, qual é melhor para fazer sexo, qual é melhor de conviver”, reduz muito enxergarmos o verdadeiro potencial dessas forças sobre o todo.

Continuando na Páscoa, os celtas já celebravam essa data, regida pela deusa Eostre, ou Ostara (muito similar, a palavra em inglês Easter, que significa Páscoa). O símbolo da Deusa era uma lebre. A lebre associada a fertilidade, não dos humanos, mas de toda a natureza que viria a tona na primavera após o período de inverno. Os ovos, na manhã de Páscoa deveriam ser encontrados e abertos, como um símbolo para a vida espiritual que sai de seu casulo. Na tradição cristã, na manhã de Páscoa, o túmulo do Cristo estava aberto e vazio, pois seu espírito estava livre para se manifestar na Terra. O inverno, seria o período do recolhimento, da reavaliação, do contato com o espiritual para o aprimoramento e o desenvolvimento. Na primavera, o resultado desse período sai da casca e se liberta para o mundo. Os celtas viviam na Grã-Bretanha, e uma das formas que o cristianismo encontrou para popularizar sua religião, foi incorporando suas datas sagradas às datas e às tradições já existentes.

Antes do cristianismo, os judeus também já tinham uma tradição associada a Páscoa, Pessach, que significa passagem. Segundo um artigo do professor Daniel Neves, os judeus comemoravam a Páscoa sacrificando um cordeiro sadio. A passagem que é celebrada, refere-se à de Moisés e do povo hebreu da libertação da escravidão do Egito. Essa comemoração surge cerca de 2.000 anos antes de Cristo. Também temos nessa comemoração, uma referência parecida à caça aos ovos tradicional de hoje:

“Uma tradição comum da Páscoa judaica é conhecida como Afikoman, nela o matsá (pão sem fermento) é dividido em dois, e o maior pedaço é escondido. Depois do jantar, as crianças partem à procura do pedaço de matsá, e aquela que o encontrar, ganhará um prêmio.” – Daniel Neves

O homem moderno não se vê mais como parte da natureza, acredita que a tenha dominado e não precisa respeitar seus ciclos, e no fim, podemos escolher como e quando renascer. Sendo assim, para encerrar, após buscar algumas referências pascoais, a maior reflexão veio de uma mensagem escrita pela professora e filósofa Lucia Helena Galvão: 

“Enfim, se não acredito em nenhuma mudança possível em mim, senão aquela do envelhecimento, trazida pelo tempo e não pela vontade, a Páscoa nunca passará de uma data no calendário, uma confraternização, uma celebração com muito pouca vida (numa data que celebra exatamente a vida!) “Honrai as verdades com a prática”, dizia uma antiga filósofa... Apresente ao mundo uma versão mais nobre e completa de si mesmo, preenchendo todos os espaços possíveis com valores humanos, praticando-os, integrando-os como sua resposta à vida a partir de agora. A natureza já deu os sinais de que espera por isso: a Páscoa se aproxima. Feliz renascimento!” - Lucia Helena Galvão

Fiquem em paz! =)

Diário Filosófico #13/05/2020

Quando parei agora para escrever minhas reflexões de hoje, percebi que não aproveitei 100% a oportunidade que a vida me deu de refletir. E e...